Ando contando estórias sobre você para estranhos sempre que eu bebo. Mas quem é você? Eu não sei decidir. Não sei de quem eu sinto falta, não sei nem se falta alguma coisa. Supostamente seria fácil simplificar minha vida se eu soubesse escolher, mas é sempre mais fácil culpar o tempo e a falta de sorte e coincidências. Mas eu lembro de você e de sonhos recorrentes com essa cidade que eu não conheço, mas está se tornando cada vez mais familiar. E era sempre só dobrar a esquina com a casa horrível de vidro (que poderia ser um show-room ou um consultório odontológico, tudo menos uma casa) e te encontrar tomando um sorvete e olhar pro lado e falar sobre o tempo e não perguntar se você ainda tá guardando um ano pra mim. Eu acho que você devia, porque tudo bem que eu desperdicei o outro mas nós sempre fomos o tipo de criminoso reincidente que sempre volta à cena do crime entre sorrisos e mordidas.
Essa cidade que eu não conheço é moldada pela minha falta de senso, e apesar de sua topologia ser muito verossímil aqui dentro da minha cabeça, eu não poderia desenhar um mapa pra ti. Ela tem partes intercambiáveis e se hoje ao norte tem concreto harmoniosamente armado e impessoal, amanhã pode ser um subúrbio doce com casas de madeira, campos de terra batida e crianças brincando na rua. Crianças não muito espertas dessa lado da cidade, diga-se de passagem. Mas a parte que eu te encontro é sempre a mesma e eu sempre insisto pra que chova, mas raramente sou atendido e você nunca mais usou aquele guarda-chuva e eu já emprestei aquele casaco pra tantas outras garotas, só pra te provocar mesmo sem você saber.
E bebendo encontro quem diga que pra decidir eu devia renunciar a tudo que uma saída iria milagrosamente aparecer. Mas eu nunca desisto, as coisas que acabam desistindo de mim. Quando meu fígado dói, a cidade acorda abafada. Normalmente só me resta rastejar até a cozinha, procurar uns analgésicos, deitar e esperar a chuva de verão, ótima desculpa pra não ir trabalhar. E deitado pensar na falta de inspiração, ótima desculpa pra não escrever. O que se prova só desculpa quando eu vejo que enchi quase 30 linhas falando sobre nada.
O problema não é a falta de inspiração, tem muita coisa boa e ruim na minha cabeça, mas eu não quero que você leia sabendo que é pra ti então continuo cantando trechos de músicas que você não ouve e esperando que você entenda. Faço do seu jeito, cortando as partes que realmente importam e deixando só o genérico. Os nossos segredos sempre brilharam pela ausência, sujeito elíptico, messias que não voltou, punctum sem studium. O grande problema sempre foi o salto para o óbvio.
Viver no obtuso é fácil demais, atiro de olhos fechados com minha arma de festim e você finge que acertei e que sangrou e finge até bem demais que morreu. Mas como fazer o salto? Como pular do ‘perfect on paper’ pra merda que é a vida real? Como renunciar ao passado e decidir deixar todos os planos pra lá por uma coisa que a gente sabe que se chegar a três meses é porque algum dos dois não sabe a história direito? Se pelo menos a gente tivesse fé em alguma coisa. Mas você não acredita mais em amor, cruzando os dedos pra estar errada. E eu acredito, mas prefiro sentar aqui e debochar de casais felizes contigo. Somos idiotas e estamos perdidos, mas por mim tudo okei enquanto você estiver por aqui.
Um comentário:
aquele guarda chuva sempre foi uma porcaria, mas eu não lembro mais dele
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